Medidas do governo para baratear alimentos têm pouco efeito sobre a inflação, dizem economistas

Vice-presidente Geraldo Alckmin anunciou nesta quinta-feira (6) que tarifas de importação para carne, café, açúcar, milho, azeite e outros itens serão zeradas com o intuito de reduzir preços. Inflação e preço dos alimentos: na foto, consumidores em feira livre no bairro do KM18 em Osasco na Grande São Paulo, nesta quinta-feira (06)c
ALOISIO MAURICIO/FOTOARENA/FOTOARENA/ESTADÃO CONTEÚDO
O governo federal anunciou nesta quinta-feira (6) medidas para tentar reduzir o preço de alimentos. Entre elas, está a redução a zero das tarifas de importação para itens como carne, café, açúcar, milho e azeite de oliva. (veja a lista completa mais abaixo)
O vice-presidente Geraldo Alckmin afirmou que as medidas entrarão em vigor "em poucos dias" e que o governo está "abrindo mão de imposto em favor da redução de preço".
A medida vem em meio a uma crise de popularidade do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Recentemente, a inflação dos alimentos se tornou uma das principais preocupações do governo, já que o tema tem um grande impacto em como a população enxerga a gestão.
Apesar da nova tentativa do governo de controlar os preços, especialistas ouvidos pelo g1 destacam que as medidas não devem gerar reflexo relevante no Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), a inflação oficial do país, e que o consumidor final também não deve sentir muita diferença no bolso.
Contra inflação. governo zera alíquota de 9 alimentos
Maioria dos produtos com tarifa zero não são importados
Poucos itens que tiveram a alíquota zerada pelo governo federal têm importância relevante para o IPCA, destaca o economista André Braz, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre). É o caso da carne, do café, do açúcar e das massas (macarrão).
"A carne é o mais importante. Pesa mais no IPCA. Quase 3% da renda das famílias é comprometida com a compra do produto", diz.
Já os demais itens citados na lista do governo não devem ter grande impacto no índice de preços, alerta o economista. Ele cita como exemplo o azeite — que, apesar do preço elevado, não é um produto da cesta básica — e a sardinha, que não é contabilizada dentro do IPCA.
"O óleo de girassol também não é tão importante assim. O óleo de soja é muito mais utilizado", diz.
Veja quais são os itens com tarifa zero, conforme o anúncio de Alckmin nesta quinta:
🥩 Carne
Tarifa de importação atual: 10,8%
Nova tarifa: 0%
☕ Café
Tarifa de importação atual: 9%
Nova tarifa: 0%
🧁 Açúcar
Tarifa de importação atual: 14%
Nova tarifa: 0%
🌽 Milho
Tarifa de importação atual: 7,2%
Nova tarifa: 0%
🫒 Azeite
Tarifa de importação atual: 9%
Nova tarifa: 0%
🌻 Óleo de girassol
Tarifa de importação atual: até 9%
Nova tarifa: 0%
🐟 Sardinha
Tarifa de importação atual: 32%
Nova tarifa: 0%
🍪 Biscoitos
Tarifa de importação atual: 16,2%
Nova tarifa: 0%
🍝 Massas alimentícias (macarrão)
Tarifa de importação atual: 14,4%
Nova tarifa: 0%
No comércio internacional, o Brasil é um grande fornecedor da maioria dos itens listados pelo governo para o resto do mundo, explica Felippe Serigati, economista e pesquisador do FGV Agro.
"Isso vale para o café, para o açúcar, para a carne bovina, para a carne de frango. Então, você vai buscar esse produto de onde, se o mundo tá vindo aqui no Brasil buscar esses produtos?", pontua.
Serigati afirma que, mesmo que o país consiga encontrar um fornecedor desses produtos com a medida de zerar as tarifas de importação, o preço da maioria dos alimentos listados é ditado pelo mercado internacional. Ou seja, se um item está caro, o preço está alto no mundo inteiro.
o economista ainda destaca que enxerga o anúncio do governo como uma medida política para tentar conter a queda na popularidade de Lula — causada, em grande parte, pela inflação dos alimentos.
"Mesmo que as medidas anunciadas não tenham, em termos econômicos, o resultado esperado [de reduzir o preço dos alimentos], pelo menos tá tentando criar a sensação de que o governo tá fazendo alguma coisa", diz o pesquisador.
Andréa Angelo, estrategista de inflação da Warren Investimentos, também acredita que o pacote anunciado pelo governo não deverá influenciar significativamente a inflação.
"Em geral não importam muito todos esses produtos, tirando azeite e óleo", diz. A especialista lembra também que há um problema de oferta no mundo entre os itens que impactariam mais a inflação — o caso da carne.
Conforme mostrou o g1, o preço da carne disparou 20,8% em 2024, na maior alta em 5 anos. Segundo especialistas, quatro fatores ajudam a explicar a disparada de preços:
Ciclo pecuário: após dois anos de muitos abates, a oferta de bois vai começar a diminuir no campo;
Clima: seca e queimadas prejudicaram a formação de pastos, principal alimento do boi;
Exportações: Brasil é o maior exportador de carne bovina do mundo e vem batendo recordes de vendas;
Renda: queda do desemprego e valorização do salário mínimo estimularam compras de carnes.
Para a economista-chefe da CM Capital, Carla Argenta, outro ponto que explica o pouco efeito das medidas do governo para a população é o fato de que o impacto deve ser sentido mais por pessoas mais ricas do que pela base da pirâmide social.
"Os produtos que são importados, principalmente quando nós olhamos para café e carnes, que são produtos finais, eles têm um preço mais elevado e são consumidos majoritariamente pelo topo da pirâmide econômica e social", explica Argenta.
"Portanto, eles terão um impacto sobre a redução de preços que será sentido sobre aquela fração da população que não é tão afetada assim pela oscilação dos preços", completa.
A economista também ressalta que o país começa, agora, a entrar em um novo período do ciclo das safras. Para Argentina, esse cenário deve reduzir a inflação dos alimentos e "não deve ser confundida com os efeitos da medida anunciada pelo governo".
Impacto fiscal e na produção brasileira
Para além do fraco impacto nos preços previsto pelo mercado, as medidas também são vistas com preocupação, uma vez que podem gerar divergências de preços e trazer prejuízos aos país no médio e no longo prazo. É o que afirma o analista financeiro Vitor Miziara.
"O problema para a alta dos preços dos alimentos é muito mais sobre quebras de safras do que taxas altas para a importação", explica o especialista.
Nesse sentido, a leitura é que a isenção do imposto de importação pode criar um preço menor para os itens listados pelo governo, mas de "forma artificial" — já que o preço do alimento, em si, é determinado principalmente pela oferta e demanda no mercado.
Isso, se mantido por muito tempo, pode favorecer a importação em detrimento do produtor local, que hoje é o grande responsável por abastecer o mercado interno e as exportações do país, diz Miziara.
Além disso, se mesmo com as medidas anunciadas pelo governo o preço dos produtos importados subir — causado por uma alta no preço das commodities ou na cotação do dólar, por exemplo —, de nada vai valer a isenção do imposto, já que a inflação subiria da mesma forma, afirma o analista.
Por fim, os especialistas ainda destacam outro risco: a questão fiscal. Com as taxas zeradas, o governo também está abrindo mão de uma parte de sua arrecadação.
A decisão vem em um momento em que o mercado continua duvidando da capacidade do governo de equilibrar as contas públicas. E se o mercado entende que o governo está sendo irresponsável com o quadro fiscal, os investidores retiram seus recursos do Brasil — o que encarece o dólar.
Por sua vez, dólar mais caro também eleva os preços dos produtos importados.
"Zerar o imposto diminui a arrecadação do governo. Para alimentos, principalmente os importados, esse é um risco muito grande, dado que, caso haja um aumento dos custos lá fora ou o câmbio piore [com o real se desvalorizando], o aumento de preços pode acontecer do mesmo jeito, com ou sem imposto de importação", afirma Miziara.
Queda do dólar e redução do ICMS ajudariam
Para André Braz, do FGV Ibre, não há solução fácil para o problema do alto preço dos alimentos. Ele ressalta, no entanto, que medidas fiscais mais efetivas por parte do governo (ou seja, uma maior sinalização de equilíbrio de gastos) poderia ajudar a conter o dólar, diminuindo os custos por aqui.
"O câmbio penaliza muito o preço dos alimentos. Primeiro, penaliza quando a gente importa, porque uma moeda depreciada faz o produto importado ficar mais caro. Segundo, porque as nossas exportações crescem", afirma.
O especialista lembra que aumentar a exportação melhora a balança comercial, o que é bom para o país, mas pondera que o movimento significa um desafio para a inflação, já que um real mais barato faz com que os produtos brasileiros estejam sempre em "promoção".
"Todo mundo quer comprar do Brasil. Isso desabastece o mercado brasileiro e força aumento de preços", diz.
No ano passado, por exemplo, houve uma disparada nos preços do dólar, o que acabou pressionando a inflação de alimentos por aqui. Apesar do cenário internacional incerto, grande parte da valorização da moeda norte-americana em detrimento ao real ocorreu por fatores domésticos, em meio a receios do mercado com o crescimento da dívida do país.
Isso gerou efeitos negativos no câmbio e fez o dólar ultrapassar, pela primeira vez na história, a marca dos R$ 6.
Além da questão do dólar, para Andréa Angelo, da Warren, os preços dos alimentos poderiam ter uma queda, de fato, caso os estados zerassem o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS).
"Estamos mesmo precisando de uma força para uma inflação mais baixa dos alimentos, quem sabe até caindo de preço. Mas acho que essas medidas não vão alcançar com a magnitude desejada a população que está sofrendo mais com os aumentos recentes", conclui Braz.
Outras medidas
Outras medidas anunciados pelo governo foram:
🔹 Aceleração do SISBI-POA
O governo pretende ampliar o Sistema Brasileiro de Inspeção de Produtos de Origem Animal (SISBI-POA), que permite que produtos como leite, mel, ovos e carnes inspecionados em municípios e estados possam ser vendidos em todo o país.
➡️ A meta é passar de 1.550 registros para 3.000 no sistema, o que pode trazer mais competitividade e redução de custos no setor de proteína animal.
Com a mudança no SISBI, os produtores de leite líquido, mel e ovos cadastrados nos sistemas municipais de inspeção poderão ser vendidos para todo o Brasil. Há possibilidade de que essa flexibilização também seja feita para outros produtos.
"Qual o efeito? [...] Por um ano, o sistema SIM terá equivalência ao sistema SISBI, para que a gente continue também ampliando isso e dando competitividade e oportunidade para os produtos da agricultura familiar brasileira", afirmou o ministro Carlos Fávaro, da Agricultura e Pecuária.
🔹 Fortalecimento dos estoques reguladores da Conab
O governo quer reforçar os estoques públicos de alimentos básicos para ajudar a segurar a alta de preços em momentos críticos, garantindo oferta e estabilidade.
🔹 Plano Safra com foco na cesta básica
Os financiamentos do Plano Safra devem priorizar a produção de itens que compõem a cesta básica, com mais estímulo para produtores rurais que abastecem o mercado interno.
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